O Brasil vive tempos difíceis. Entre os cenários de desemprego e recessão, há aquele em que os poderes legislativo, executivo e judiciário se relacionam entre farpas, denúncias, e investigações de casos de corrupção e abusos de autoridade. É neste contexto, somado ao caos na representação política e denúncias de corrupção e obstrução de justiça contra o presidente Michel Temer, que vêm surgindo vozes do exército brasileiro para a imposição da ordem institucional.
No último dia 15, em Brasília, a capital do país, o general Antonio Hamilton Mourão, secretário de economia e finanças das Forças Armadas Brasileiras, sugeriu que uma saída para os problemas de corrupção no cenário político no Brasil seria uma intervenção militar.
“Na minha visão nós estamos em uma situação daquelas que nós chamamos de tábua de logaritmo, aproximações sucessivas até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do judiciário retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso [intervenção]”.
Para o general, “os três poderes terão que buscar uma solução. Se não conseguirem, chegará a hora que teremos de impor uma solução. E essa imposição não será fácil. Ela trará problemas, pode ter certeza”, disse Mourão. Sua fala, em evento da maçonaria, está disponível em diversos sites e foi compartilhada nas redes sociais.
Mourão afirma que sua geração foi marcada “pelos sucessivos ataques que a nossa instituição [Exército Brasileiro] recebeu de forma covarde, de forma não coerente aos fatos que ocorreram de 1964 a 1985. Se tiver que haver [intervenção] haverá”, completou.
Os fatos a que o general Mourão se refere são capítulos de tortura e prisão política no país, o golpe militar. Neste período, segundo dados do relatório da Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012 com a finalidade de apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, 200 mil pessoas foram detidas por suspeita de subversão, 10 mil foram torturadas no Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo, 10 mil brasileiros foram exilados e 4.882 mandatos parlamentares foram cassados.
Entre outras informações, relatos, fotografias e documentos que comprovam a barbárie do regime militar, o que se pôde confirmar é que quatro pessoas foram condenadas à morte (pena comutada para prisão perpétua) e 707 processos políticos foram instaurados pela justiça militar. O Congresso Nacional foi fechado três vezes pelos generais ditadores.
Houve a censura prévia a toda a imprensa brasileira, 400 mortos pela repressão e 144 desaparecidos. São inúmeros os relatos de sobreviventes de torturas e prisões. A Comissão Nacional da Verdade, tocou na ferida e revelou um capítulo da história de deflagração dos direitos humanos no Brasil.
O livro Infância roubada – crianças atingidas pela Ditadura Militar no Brasil, lançado pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” é, revela a memória de crianças – hoje adultos – que foram torturadas pelas mãos do Estado, algo “inominável que precisa ser nomeado para que cada um deles possa viver, para que o crime de Estado não se repita”, como destaca a jornalista Eliane Brum.
Outra jornalista, a Tatiana Merlino, responsável pela edição e organização primorosa do livro afirma que “a ditadura deixou inúmeras marcas nos filhos das vítimas; dos desaparecidos, assassinados, presos: desde nascimento na prisão, serem levados aos órgãos de repressão, clandestinidade, exílio, banimento, etc. Há histórias de horror, de crianças que viram os pais torturados, que foram sequestradas…”.
É diante desta ferida aberta, de memórias inomináveis, que manifestações de apoio e repúdio à fala do general Mourão salpicaram pela internet, mostrando a divisão presente na sociedade brasileira.
Para amenizar a fala de seu subordinado, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, reiterou que as Forças Armadas estão plenamente subordinadas aos princípios constitucionais e democráticos e ao respeito aos poderes constituídos. “Há um clima de absoluta tranquilidade e observância aos princípios de disciplina e hierarquia constitutivos das Forças Armadas, que são um ativo democrático do nosso país”.
O artigo 142 da Constituição Brasileira de 1988 garante que as Forças Armadas devem atuar subsidiariamente ajudando no trabalho de segurança pública e isso a pedido de um dos poderes da República. A Carta Magna não autoriza as Forças Armadas a intervir no processo político.
*Karla Maria é jornalista brasileira, autora do livro Mulheres Extraordinárias, Paulus Editora e duas vezes premiada com o troféu Dom Helder Câmara de Imprensa da CNBB.