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SIGNIS ALC

22 diciembre 2021

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Encontros de Paulo Freire com a comunicação

Encontros de Paulo Freire com a comunicação

Ana Cristina Suzina*

 

Não existe nenhuma sombra de dúvida sobre o que representa Paulo Freire no campo da educação no Brasil e no mundo. Sua obra, relacionada à pedagogia, está traduzida em mais de 30 idiomas e figura entre as três referências mais citadas em trabalhos acadêmicos no mundo. Mas o legado de Freire rompeu as paredes das salas de aula e se espalhou por muitos outros campos da ação e da reflexão. No ano de seu centenário, essa presença foi sentida e celebrada de forma intensa e abundante.

 

A pergunta que se faz, neste ensaio, é como encontrar Freire na comunicação? A resposta mais objetiva é na prática. Quando discorrem sobre como se consolida o campo da comunicação popular na América Latina, referentes como Washington Uranga, Daniel Prieto Castillo, Aníbal Orué Pozzo e Cicilia Peruzzo (ver livro “The Evolution of Popular Communication in Latin America: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-62557-3), entre outros, afirmam claramente que primeiro veio a prática e, a partir dela, a consolidação de um pensamento que olha para a prática para fundamentar conceitos que, à sua vez, podem alimentar novamente a prática e estabelecer o círculo virtuoso de uma práxis comunicacional.

 

Neste sentido, Freire funciona como uma referência teórica, mas também – e, talvez, principalmente – como um elemento aglutinador para todas as pessoas que fazem da comunicação uma força para construir justiça social, democrática e ambiental. Na verdade, é muito difícil separar Freire do movimento popular na América Latina. O Freire intelectual nasce no bojo desse movimento para, na medida em que consegue sistematizar a racionalidade de suas práticas, fundamentá-lo e animar sua reinvenção permanente. O pesquisador e comunicador brasileiro Francisco das Chagas de Morais, pesquisou profundamente a evolução da noção e da prática da educação popular no Brasil e em relação a semelhante movimento na Colômbia (ver tese “O Interdiscurso na Educacao Popular: Um Estudo Comparativo entre o MEB (Brasil) e a APCO (Colombia)” https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/programa/noticias_desc.jsf?lc=pt_BR&id=65&noticia=127865363). Morais situa Freire como uma presença ativa e influente no Movimento de Cultura Popular do Recife, no começo dos anos 1960. Esta e diversas outras ações, com participação decisiva da Igreja Católica, constituem esforços de valorização da cultura popular, pela organização e animação de grupos dedicados ao combate ao analfabetismo, por meio de práticas educativas enraizadas na cultura local e orientadas à conscientização do povo.

 

À mesma época, um movimento de comunicação popular emergia, diverso e expressivo, em toda a América Latina. Nas bases, nas comunidades locais, esses movimentos nascem e crescem juntos, questionando modelos exógenos e distantes da realidade do povo, fabricando e reivindicando a legitimidade de práticas que fazem mais sentido em seu cotidiano e no contexto de suas lutas. Freire se torna uma das vozes intelectuais mais pujantes de todo esse processo.

 

E por que um referencial da pedagogia se torna tão importante no campo da comunicação? Primeiro porque a maneira como Freire associa as noções de comunicação e educação permite compreender a comunicação para além de instrumentos. As diferentes dinâmicas de comunicação, incluindo as mídias, não são ferramentas acionadas para cumprir funções específicas nos movimentos populares. Elas fazem parte deles. Nessa concepção, a comunicação se transforma em uma espécie de costura que permite construir o movimento: sua identidade, sua forma de se relacionar internamente e com o mundo, sua fé, seus ritos, suas esperanças e horizontes.

 

O ensaio Comunicación o Extensión? (disponível para descarga aqui: https://grandeseducadores.files.wordpress.com/2015/07/extensic3b3n-o-comunicacic3b3n-la-conciencia-en-el-medio-rural-1973.pdf), escrito por Freire durante seu exílio no Chile, condena práticas de comunicação que não fazem mais do que impor modelos de ação junto aos agricultores. Freire destaca que essa comunicação verticalizada, em que as mídias não são mais que instrumentos de transmissão do que ele chama de “comunicados”, ignora os conhecimentos e as necessidades locais. Dela, não pode surgir a emancipação. Ao contrário, na comunicação dialógica, feita com o povo, reside a única possibilidade de libertação, porque ela permite que as pessoas deixem de ser objetos das histórias escritas por outras, para ser sujeitos criadores de suas próprias histórias.

 

Vista desta maneira, a comunicação também é um processo que acompanha os movimentos populares em seus desenvolvimentos no tempo. Ela não é pontual, ela não está a serviço de eventos esporádicos, mas se adapta com o movimento, diante de suas oportunidades e desafios. Comunicação e educação estão juntas neste processo porque a luta é resultado e motor de aprendizados, porque conhecimento se dá na mediação entre as diferentes pessoas e com o mundo.

 

Em segundo lugar, a mesma associação entre educação e comunicação permite constituir um marco teórico completamente distinto para o campo da comunicação como um todo: uma teoria dialógica da comunicação, que é disruptiva porque nem clama por consensos nem se fundamenta na supressão simbólica de desigualdades – em oposição à teoria comunicativa habermasiana, que presume a possibilidade de consenso entre interlocutores cujas diferenças são suspensas tal como se todos fossem iguais. A ontologia freireana da comunicação orienta-se a cultivar a unidade em vez da uniformidade, o pluralismo em vez do anarquismo, e o conjunto em vez do arranjo. Assim, reconhece as desigualdades à luz das assimetrias de poder, o que transforma a paridade em um requisito fundamental para a comunicação; a diversidade como um valor e como origem do conhecimento; e o coletivo como o princípio norteador de todas as ações.

 

Para conhecer mais sobre os encontros de Freire com a comunicação

 

Diferente de várias das pessoas que contribuíram com textos para esta edição de Punto de Encuentro, eu não conheci Freire. Não tive a sorte de ser sua aluna. Nunca o ouvi ou vi em uma conferência. Ainda que contemporâneos em uma parte de nossas vidas, nunca sequer estivemos em um mesmo ambiente.

 

Conheci Freire na voz e na experiência de comunicadores e comunicadoras populares na América Latina. E, desde 2019, conheci Freire nos relatos de colegas em diferentes lugares do mundo, por meio de meu trabalho de pesquisa na Loughborough University London. Em colaboração com o professor Thomas Tufte – este, sim, teve a sorte de se encontrar com Freire repetidas vezes – organizamos diversos seminários e publicações sobre o legado de Paulo Freire na comunicação e no desenvolvimento da sociedade civil. Esses materiais mostram os reflexos da obra e da atuação de Freire pelo mundo inteiro e estão disponíveis para consulta:

 

Em Português e Inglês:

 

Dossiê Paulo Freire, 100 Anos. Revista Matrizes, v.15, n.3 (out/dez. 2021): https://www.revistas.usp.br/matrizes

Seminário “Centenário de Paulo Freire: 7 conversas em preparação para os próximos 100 anos” (vídeos das palestras): https://www.paulofreirecentennial.org/videos/

 

Em Espanhol e Inglês:

Special Issue 2020: The legacy of Paulo Freire. Roles and challenges of Social Movements. Commons. Revista de Comunicación y Ciudadanía Digital, 9(2): https://revistas.uca.es/index.php/cayp/issue/view/432

 

Em inglés:

Special Issue 2020: Freire’s vision of development and social change – past experiences, present challenges and perspectives for the future. International Communication Gazette, 82: 5, August: https://journals.sagepub.com/toc/gazb/82/5

 

Em português:

Suzina, A.C., Tufte, T. & Jiménez-Martínez, C. (2020). Qual a mensagem de Paulo Freire para os días atuais?: diálogos sobre a relevância do pensamento de Freire para entender o Brasil hoje. Revista Internacional de Comunicación y Desarrollo, 11, 11-18: https://revistas.usc.gal/index.php/ricd/article/view/6543

 

Em francés:

Suzina, A.C. (2021). Paulo Freire: La voie/voix collective de l’émancipation. Revue Démocratie. MOC: August 2021. Retrieved here: http://www.revue-democratie.be/index.php?option=com_content&view=article&id=1509:paulo-freire-la-voie-voix-collective-de-l-emancipation&catid=15&Itemid=148

 

Quem é Paulo Freire

 

Paulo Freire nascei em Recife, capital de Pernambuco, no Nordeste Brasileiro, no dia 19 de setembro de 1921. Formado em Direito, abandona a carreira iniciante para se dedicar ao trabalho com o serviço social e, em seguida, a desenvolver métodos para a alfabetização de adultos – nessa época, grande parte da população brasileira era analfabeta.

 

Em decorrência do golpe militar de 1964, Freire é preso e interrogado em Pernambuco. Antes de se apresentar para outra fase de interrogatórios no Rio de Janeiro, se exila na Embaixada da Bolívia, de onde saí do Brasil. Sobre seus interrogatórios, Freire disse:

 

“Na maioria dos interrogatórios a que fui submetido, o que queriam provar, além da minha “absoluta ignorância”, era o perigo que eu representava. Fui considerado como um “subversivo internacional”, um “traidor a Cristo e ao povo brasileiro”. “Negai, pedia um dos interrogadores, que o vosso método é semelhante ao de Staline, de Hitler, de Péron e de Mussolini! Negai que, com vosso pretenso método, o que vós queríeis era bolchevizar o país (…)” Era-lhe impossível compreender uma coisa que para mim era sagrada: um cristão é um homem do mundo e com o mundo, de maneira que, comprometido no mundo, ele supera-o. Era-lhe impossível compreender que um cristão tivesse a pretensão de defender o povo da injustiça.” (extrato do livro Os cristãos e a libertação dos oprimidos, Edições BASE, 1978, Lisboa, p.8-9)

 

Depois de passar por La Paz, vai ao Chile, onde se dedica igualmente a projetos de alfabetização, antes de deixar aquele país, vítima de outro golpe militar. Freire passa diversos anos fora do Brasil, período no qual chegou a dar aulas na universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e trabalhou por muito tempo no Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra.

 

Freire retorna ao Brasil no começo da década de 1980 e, em 1989, assume a secretaria de educação da cidade de São Paulo. Depois de uma curta passagem pela política, volta ao seu trabalho como intelectual e educador, ao que se dedica até sua morte, em 1997.

 

O pensamento de Freire tem reconhecidas e assumidas influências humanista-cristãs e marxistas. Frei Clarêncio Neotti, ex-presidente da UCBC, o visitou durante seu exílio em Genebra, em 1973. Sobre o encontro, descreveu:

 

“Paulo me recebeu com um cafezinho brasileiro. De barba grisalha, rodeado de filhos e filhas, muito gentil e preocupado. Discutimos alguns problemas, falamos da Vozes e do futuro do Brasil. Fiz-lhe o convite oficial para que a Vozes seja a editora de seus livros. Passei-lhe as mensagens que eu tinha para ele. Aceitou escrever um artigo para a Revista Vozes sobre a definição da educação. Ele receou, porque se vê cercado de agentes policiais em toda a parte. Falamos da força que têm as ditaduras de manterem olheiros por todos os países. Há um mês, o governo do Brasil chegou a pedir à Universidade Livre de Londres que desistisse de lhe dar o título de Doutor Honoris Causa. Paulo Freire é hoje, ao lado de Dom Hélder, o brasileiro mais conhecido na Europa. É estudado em todas as universidades como um grande pedagogo original. Seus livros estão todos traduzidos em 15 línguas. O último não pôde ser editado no Brasil: Pedagogia do Oprimido. Está agora escrevendo a própria experiência e fazendo uma autoanálise. Paulo Freire impressiona. É convicto no marxismo. É convicto no cristianismo. “Sei a quem adorar”, me disse sério. E isso me fez lembrar o apóstolo Paulo: “Sei em quem acreditei”.” (extrato do livro Ribeirão Grande, vol, I, p.346-347)

 

Paulo Freire é um dos mais influentes intelectuais brasileiros e latino-americanos do século XX. Seu trabalho alcançou significativo impacto global, com posições de liderança em rankings e homenagens internacionais. Existem centros de pesquisa com o seu nome na Finlândia, África do Sul, Áustria, Alemanha, Holanda, Portugal, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá. Entre os brasileiros, ele tem o maior número de títulos de Doutor Honoris Causa: pelo menos 35 títulos incluindo universidades no Brasil e no exterior (entre elas: Genebra, Bolonha, Estocolmo, Massachusetts, Illinois e Lisboa). É o patrono da educação no Brasil e acaba de ter um busto instalado na universidade de Cambridge, na Inglaterra, como símbolo da tolerância e do diálogo em tempos de guerras culturais (ver: https://www.bbc.co.uk/news/education-59406106).

 

* Comunicadora (Brasil). Doutora em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade Católica de Louvain. pesquisadora de comunicação e participação na Loughborough University London, Reino Unido

 

Artigo publicado na revista digital Punto de Encuentro, da SIGNIS ALC, dezembro de 2021. Disponível aqui.

 

A tradução em espanhol está disponível aqui.

 

A ilustração que acompanha este artigo faz parte de uma coleção de cartuns e desenhos criados especialmente por artistas gráficos independentes e membros do GRAFAR / RS para comemorar os 100 anos do educador Paulo Freire, em 19 de setembro de 2021. Entre os artistas que produziram e doaram suas artes são Alisson Affonso, Aline Daka, Amaro Abreu, Bier, Edgar Vasques, Fabiane, Latuff. Leandro Bierhals, Natalia Forcat, Santiago, Schröder e Vecente. A produção é de Cris Pozzobon. Mais informações e compras: freireandopoa@gmail.com / cafecompaulofreire@gmail.com

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