Por Karla Maria, SIGNIS Brasil
Brasil.– O sangue brasileiro escorre pela Amazônia Legal. Sangue camponês, indígena, quilombola, sangue de militantes que lutam pelo direito à terra. É isso o que o “Atlas de Conflitos na Amazônia”, recém-lançado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), revela. Entre 2015 e 23 de agosto de 2017, 170 pessoas foram assassinadas no Brasil por conflitos no campo; deste total, 137 ocorreram na Amazônia Legal.
Este território abrange os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Os municípios que concentram o maior número de assassinatos são Amarante Paulista (MA) e Buritis (RO), com dez mortes cada; Colniza (MT), Pau d’Arco (PA) e Anapu (PA) vêm em seguida com nove assassinatos por conflitos de campo cada.
O levantamento surgiu a partir do trabalho da Articulação das CPTs da Amazônia, que atuam cotidianamente nos nove estados da Amazônia Legal brasileira. Diferentemente dos cadernos anuais que publicam, este Atlas trabalha com uma metodologia que utilizou todos os conflitos existentes nos últimos anos.
“Foram meses de profícuas conversas para ajustarmos as análises, objetivando a construção de um Atlas que representasse as ocorrências acompanhadas pela Comissão Pastoral da Terra e/ou aquelas que passaram a acompanhar em função de um determinado conflito”, explica no relatório o geógrafo Gustavo Henrique Cepolini Ferreira, coordenador e pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e Agrários – Unimontes.
Ferreira é um dos organizadores do relatório que apresenta mais números: 93.830 famílias estão envolvidas em conflitos, sendo que o Estado do Pará concentra o maior número, com 20.498. São 977 conflitos por campo na Amazônia Legal e 20,1% deles, ou 197, se concentram no estado do Maranhão.
A cidade de Porto Velho conta com o maior número de famílias envolvidas em conflito de campo: são 5.284, em um total de 21 conflitos; a cidade de Vilhena conta com 942 famílias envolvidas em 27 conflitos de campo. Ambos os municípios são no estado de Rondônia.
Ferreira chama este cenário de luta de agrobanditismo moderno e para ele nos últimos trintas anos ocorreu uma expansão e um fortalecimento do agronegócio (agricultura capitalista) no Brasil, em detrimento da reforma agrária e da agricultura camponesa.
“Assim, novos sujeitos sociais passaram atuar nesses conflitos por terra e território. Ao lado dos camponeses sem terra que diminuíram seu envolvimento com a luta pela terra e pela reforma agrária, despontaram os camponeses posseiros na luta pela terra. E, por outro lado, emergiram também os povos indígenas e quilombolas em luta pela demarcação de seus territórios ainda não demarcados pelo Estado”, explica o professor.
Neste cenário de omissão do Estado, a grilagem das terras públicas e a concentração de terras chocam e causam sérias consequências ao modo de ser e viver dos povos tradicionais da Amazônia Legal: indígenas, quilombolas, pescadores, camponeses, extrativistas.
Para a Comissão Pastoral da Terra (CPT) a solução para o fim destes conflitos seria a reforma agrária. “[Ela] seria o caminho mais rápido para eliminar a fome, a miséria e as desigualdades que imperam no Brasil”, afirma a entidade no relatório.
A CPT foi fundada em junho de 1975, por iniciativa de bispos e prelados da Amazônia, e neste relatório conta com o apoio da Comissão Episcopal para a Amazônia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam).
*Karla Maria é jornalista brasileira, autora do livro Mulheres Extraordinárias, Paulus Editora e duas vezes premiada com o troféu Dom Helder Câmara de Imprensa da CNBB.