Por Osnilda Lima-SIGNIS Brasil*
Nesta terça-feira (24), em Brasília, capital do Brasil, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), lançou o Relatório: Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil com dados de 2018. Na abertura do documento, dom Roque Palochi, presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho, no estado de Rondônia, apontou: “ O Conselho Indigenista Missionário denuncia, uma vez mais, a dor, o sofrimento e as angústias dos povos indígenas, gerados pelas violências praticadas ao longo do ano de 2018. Bem mais grave que isso é a constatação de que elas são cumulativas, promovidas e desencadeadas ao longo de décadas de modo sistemático, por particulares e pelo Estado brasileiro. Podemos afirmar com muito pesar que há, no Brasil, a institucionalização da violência como prática de governos”, lamenta o bispo.
O Relatório aponta que a maior violência contra os povos indígenas é a destruição de seus territórios, numa ofensiva sobre as terras tradicionais, com isso ocorre o aumento de assassinatos, em 2018 foram 135. Os estados com maior número de casos foram Roraima, com 62 e Mato Grosso do Sul com 38. Em 2017, haviam sido registrados 110 casos de assassinatos.
Segundo o Relatório, a ofensiva sobre as terras ancestrais também aumentou, neste último ano foram registrados 109 casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio”, afirma o relatório. Em 2017 haviam sido registrados 96 casos. Nos nove primeiros meses de 2019, dados parciais e preliminares do Cimi contabilizam, até o lançamento do Relatório, 160 casos do tipo em terras indígenas do Brasil.
Ainda de acordo com o Cimi, um novo modelo de esbulho possessório –, a invasão e expulsão dos indígenas de suas terras – está sendo praticado atualmente no Brasil. Trata-se de um modo renovado de apropriação das terras indígenas, que é ainda mais agressivo na violação de direitos dos povos originários.
“Geralmente, os invasores entravam nas terras e roubavam a madeira, os minérios, a biodiversidade, etc… mas, em algum momento, eles iam embora. Agora, no entanto, em muitas regiões, eles querem a posse da própria terra e as invadem com o propósito de permanecer nelas. Chegam a dividir os territórios ancestrais em lotes e vendem estas áreas. O que pouco se fala é que essas terras são de usufruto exclusivo dos indígenas, mas elas pertencem à União. As terras indígenas são patrimônio da União! Então, podemos dizer que toda a sociedade brasileira está sendo prejudicada, extorquida, de certo modo. Porque, quando não forem totalmente destruídos, estes bens naturais serão apropriados e vendidos para beneficiar apenas alguns indivíduos, justamente os invasores criminosos”, explica Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, secretário executivo do Cimi, no lançamento do Relatório.
Dados preliminares, em 2019, apontam que o dobro de terras foram invadidas, bem como a exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio dos povos indígenas. Foram contabilizados, até o lançamento do relatório, 160 casos. Para se ter uma ideia, em todo o ano de 2018, o Cimi contabilizou 111 casos de invasão ou exploração ilegal de recursos em 76 terras indígenas diferentes, distribuídas em 13 estados do país. Os 160 casos contabilizados até setembro de 2019 afetaram 153 terras indígenas em 19 estados do Brasil.
Dom Roque Paloschi enfatiza que “os povos indígenas são, historicamente, vítimas do Estado brasileiro porque, através das instituições que representam e exercem os poderes político, administrativo, jurídico e legislativo, ele atua, quase sempre, tendo como referência interesses marcadamente econômicos, e não os direitos individuais, coletivos, culturais, sociais e ambientais. A gestão pública é parcial, pois toma como lógica a propriedade privada, contrapondo-se à vida, ao bem-estar e à dignidade humana”, denuncia o bispo, na apresentação do Relatório.
Em se tratando das violências contra o patrimônio, foram registrados: omissão e morosidade na regularização de terras, 821 casos. Conflitos relativos a direitos territoriais, 11 casos. Invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio somaram 109 casos registrados. Totalizando assim 941 casos de violências contra o patrimônio dos povos indígenas – que estão relacionadas com invasões, caça e pesca ilegais, construção de obras sem consulta ou estudos ambientais, roubos de madeira e garimpos, arrendamentos, além da contaminação do solo e da água por agrotóxicos e incêndios, dentre outras ações criminosas.
Hoje no Brasil, há 1.290 terras indígenas, dessas 821, ou seja, 63% apresentam alguma pendência do Estado para a finalização do processo demarcatório e o registro como território tradicional indígena na Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Destas 821, um volume de 528 terras, 64%, não teve ainda nenhuma providência adotada pelo Estado. Considerando que a Constituição Federal de 1988 determinou a demarcação de todas as terras indígenas do Brasil até 1993, fica evidente uma completa omissão do Executivo no cumprimento desta sua obrigação constitucional.
O Relatório traz ainda artigos sobre temas que estimulam um aprofundamento da reflexão referente a violenta realidade enfrentada pelos indígenas no Brasil. Dentre eles estão a situação de iminente genocídio do povo Karipuna, em Rondônia; a migração dos Warao – segundo povo indígena mais numeroso da Venezuela – para os estados do Norte do Brasil; a vida precária dos Guarani Mbya nos acampamentos nas beiras das estradas na região Sul do país; a vulnerabilidade dos povos indígenas livres, que não têm contato com a sociedade envolvente; a impunidade dos “crimes de tutela” contra centenas de povos indígenas, praticados pelos próprios representantes do Estado brasileiro que eram encarregados de protegê-los; e a execução orçamentária das políticas indigenistas., jornalista, secretaria da SIGNIS Brasil e assessora Nacional de Comunicação da Cáritas Brasileira, com informações do CIMI.
*Jornalista, secretaria da SIGNIS Brasil e assessora Nacional de Comunicação da Cáritas Brasileira, com informações do CIMI.
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