.
Facebook   Twitter   Instagram   Youtube   Flicker

SIGNIS ALC

23 diciembre 2021

No hay comentarios

Casa Noticias Generales Artículos Artículos

Paulo Freire e a comunicação cristã no Brasil

Paulo Freire e a comunicação cristã no Brasil

Ana Cristina Suzina*

 

A América Latina é reconhecida pelo desenvolvimento de uma prática e uma epistemologia da comunicação designada de popular por seu compromisso com as lutas sociais, com uma imersão profunda nas realidades de diferentes grupos sociais, e por propor um modelo comunicativo marcadamente dialógico. Esse modelo se beneficiou e também ajudou a consolidar dinâmicas associadas à Teologia da Libertação e a experiências de comunicação cristã vinculadas ao trabalho comunitário pastoral por toda a região.

 

A influência do pensamento de Paulo Freire é evidente nessa caminhada, mas dispersa e reinventada na multitude de experiências que um tal modelo motiva. Como reflete Ismar de Oliveira Soares, Professor titular sênior da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais da Educomunicação, há pouco material que associa diretamente Freire à comunicação. Duas iniciativas desenvolvidas pela União Cristã Brasileira de Comunicação Social – UCBC (1969-2010) são emblemáticas desse encontro com o pensamento freireano. A seguir, vemos alguns relatos sobre esse encontro.

 

Paulo Freire no Congresso de 1980

 

O Congresso anual da UCBC foi realizado de 15 a 19 de outubro de 1980, destacando como tema “Comunicação e Educação Popular”. Foi realizado na Universidade Metodista de São Paulo, em seu campus de São Bernardo do Campo. Nas palavras de Frei Clarêncio Neotti, então presidente da UCBC:

 

“O professor Ismar de Oliveira Soares ficara encarregado de controlar os preparativos. E o professor Marques de Melo encarregado de contatar os conferencistas, garantindo os textos por escrito. (…) Foi o maior congresso até então. Tivemos mais de 1500 participantes. Assinei 1003 certificados de pessoas inscritas. Além das conferências oficiais, montamos 12 mesas redondas e 30 painéis. (…)

 

Paulo Freire, na verdade, não teve nenhuma palestra no congresso da UCBC de 1980. (…) Mas me recordo muito bem dele sentado na assembleia, na sessão de abertura. Conversamos os dois antes da abertura, mas uma conversa interrompida pelos muitos que o cumprimentavam (talvez pela primeira vez).”

 

Em seu discurso de abertura do Congresso, Frei Clarêncio disse:

 

“Aparentemente, tanto a palavra ‘comunicação’ quanto ‘educação’ e ‘popular’ parecem claros. No entanto, ‘educação popular’ é uma das expressões nascidas na América Latina nos últimos anos, que continuam sem definição clara, porque não é produto de estúdio, mas de práxis. Tem a ver com o esforço de superação das atuais estruturas sociais. Tem a ver com as ideologias a serviço da dominação, de que falava o último congresso, cujos textos acabam de sair em livro e serão lançados amanhã. Tem a ver com a participação consciente, organizada e crítica do povo, e, por isso mesmo, tem a ver com os caminhos, ou se constitui nos caminhos que levam a esta conscientização individual e comunitária. Tem a ver com uma nova ordem em nível econômico e social, e por isso mesmo tem a ver com a política, no sentido mais puro e verdadeiro e mais necessário do termo.

Este congresso oferece aos senhores, alunos e professores e profissionais da palavra, oportunidade de contato com quem trabalha nesse nível, com quem procura troca de experiências, com quem quer aprender. E temos mesmo o privilégio da presença do nosso maior crítico dos sistemas educacionais e comunicativos, que soube criar alternativas capazes de instrumentalizar o povo, capacitando-o a ser o sujeito da construção daquilo que Paulo VI, Medellín e Puebla chamaram de ‘Civilização do Amor’. Refiro-me, evidentemente, a Paulo Freire, aqui presente e presente conosco todos os dias do Congresso.”

 

O professor Ismar de Oliveira Soares, também tem lembranças dessa participação de Paulo Freire no Congresso de 1980. Ele recorda:

 

Em 1980, fui o responsável pela estruturação do IX Congresso da UCBC. O Presidente era Frei Clarêncio Neotti. (…) A parte acadêmica do Congresso esteve sob a responsabilidade de Regina Festa.

 

Esta presença de Freire no congresso da UCBC foi identificada pelo historiador Jaime José ZITKOSKI (Paulo Freire & Educação, SP, Autêntica, pp. 89-98), como uma das primeiras intervenções importantes de Freire ao retornar ao Brasil.

 

Freire não produziu nenhum texto para o congresso, sendo que sua fala espontânea, empolgou o auditório. Uma pequena multidão emocionada o acompanhou até a saída do Instituto Metodista de São Bernardo do Campo.

 

Tenho a impressão de que, com sua participação, festiva e impactante, no Congresso da UCBC, em 1980, Freire pretendeu deixar evidenciado, para seus seguidores, que a comunicação era justamente o tema central de seu pensamento. Hoje, Freire é reconhecido como a principal referência para as práticas educomunicativas em toda Ibero-américa.

 

Em seu livro “A comunicação crista em tempos de repressão”, Pedro Gilberto Gomes, Vice-Reitor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, escreveu sobre a participação de Freire em um dos painéis daquele congresso:

 

“Quando falou, Paulo Freire enraizou sua experiência no Nordeste e na dureza do povo nordestino. Situou o seu método de alfabetização dentro de um processo participatório de luta sócio-político-cultural. Ao mesmo tempo, rebateu algumas críticas, a que chamou de unidimensionais, à sua reflexão. Ele próprio fez sua autocrítica quanto a determinados momentos de ingenuidade em sua prática educativa.

 

Comparou o simples e o simplista no trabalho de comunicação e educação popular. O simples resulta de uma atitude de respeito e horizontalidade dialógica, na relação educador/educando. O simplista é sempre verticalista, a partir de uma postura depositária, superior. Ao intelectual que assim se posiciona, os trabalhadores dizem “não”. “Eu digo sim aos trabalhadores”, observou Paulo Freire.”

 

O projeto de Leitura Crítica da Comunicação e Paulo Freire

 

O projeto de Leitura Crítica da Comunicação foi uma das mais duradouras e estendidas iniciativas da UCBC. Tinha como objetivo capacitar as pessoas a se relacionar com os meios de comunicação de forma crítica. Ismar de Oliveira Soares fala da influência de Freire na evolução do LCC:

 

“A UCBC vinha trabalhando os temas da “ideologia” e da “Consciência crítica” em seus congressos anuais, ao longo do final dos anos de 70 e inícios dos 80.

 

A reforma dos procedimentos metodológicos dos cursos de LCC (Leitura Crítica da Comunicação), com a substituição da perspectiva “bancária” (especialistas ensinando sobre comunicação) pela perspectiva “dialética” (o olhar sobre a mídia a partir do lugar social dos receptores) fez parte do processo de reestruturação do LCC iniciado justamente depois do congresso de 1980. Constatava-se uma sintonia com o pensamento freiriano, sem que ficasse registrado um vínculo expresso de aplicação dos conceitos defendidos pelo mestre.

 

No caso da opção por uma metodologia dialética, a iniciativa havia sido provocada por João Luis von Tilburg, da PUC-Rio, e autor de um dos livros da coleção das Paulinas (Para uma Leitura Crítica da Televisão – 1984), que apontava para a necessidade da UCBC manter uma coerência metodológica com o que o movimento popular considerava essencial: a construção do conhecimento a partir do confronto de ideias e práticas, possível graças a um diálogo aberto entre os mediadores e os participantes dos cursos de “leitura crítica”. Tal metodologia passou a ser objeto de análises e de trocas de experiências nos seminários latino-americanos sobre educação para a televisão, que se realizaram entre 1985 e 1991. O terceiro deles, ocorrido em Buenos Aires, em 1988, foi objeto de dois artigos escritos por Pedro Gilberto Gomes e por mim, integrando o opúsculo Da formação do senso crítico à educação para a comunicação (Loyola/UCBF-LCC, 1989).

 

Nesse livro não se falava expressamente de Paulo Freire, mesmo no momento em que o assunto em pauta é o artigo de Luis Ramiro Beltrán sobre o “Adeus a Aristóteles”, baseado justamente na força do pensamento de Freire que havia provocado uma virada do debate sobre as teorias da comunicação (é o que se constata no artigo de SOARES & GOMES “Uma comunicação para o Terceiro Milênio: novas tecnologias ou nova política? p.  15-31).

 

Tenho uma impressão de que são muito poucas as referências nas obras que falam de Freire, sobre a relação deste pensador com a comunicação. Quem o fez com primor, além de Luis Ramiro Beltrán, foi o brasileiro Venício Artur de Lima (Comunicação e Cultura: as Ideias de Paulo Freire. 1981). Na maioria absoluta das obras sobre Freire (incluindo a coletânea “Reinventando Freire”, do Instituto Paulo Freire (2018), o tema dominante é a “Educação”, com pouquíssimas referências à “Comunicação”. Na verdade, consegui deixar, nessa obra de 478 páginas, um relato de experiências, de quatro páginas, sobre Paulo Freire e Comunicação (SOARES, Ismar. “Paulo Freire mobiliza crianças e jovens pela educomunicação”, in GADOTTI, M. & CARNOY, M. Reinventando Freire, IPF, 2018, p.428-431).”

 

Não me copiem; me reinventem

 

O que se observa nessas histórias pode ser considerado a própria realização das intenções de Freire. Ele não gostava da ideia de “um” método, mas dizia às pessoas para não copiá-lo, mas criticá-lo e para reinventá-lo com base em suas próprias realidades e questões de interesse. O fato de suas marcas serem vistas na prática também é sinal de uma obra que dialoga no tempo e no espaço, humilde o suficiente para reconhecer a necessidade de mudanças, mas forte o suficiente para preservar seus princípios.

 

*

Comunicadora (Brasil). Doutora em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade Católica de Louvain. pesquisadora de comunicação e participação na Loughborough University London, Reino Unido

 

Artigo publicado na revista digital Punto de Encuentro, da SIGNIS ALC, dezembro de 2021. Disponível aqui.

 

A tradução em espanhol está disponível aqui.

 

A ilustração que acompanha este artigo faz parte de uma coleção de cartuns e desenhos criados especialmente por artistas gráficos independentes e membros do GRAFAR / RS para comemorar os 100 anos do educador Paulo Freire, em 19 de setembro de 2021. Entre os artistas que produziram e doaram suas artes são Alisson Affonso, Aline Daka, Amaro Abreu, Bier, Edgar Vasques, Fabiane, Latuff. Leandro Bierhals, Natalia Forcat, Santiago, Schröder e Vecente. A produção é de Cris Pozzobon. Mais informações e compras: freireandopoa@gmail.com / cafecompaulofreire@gmail.com

Categorías

Consentimiento de Cookies con Real Cookie Banner